João César das Neves e o radicalismo em "prime time"
João César das Neves, aproveitando a plataforma que o Diário de Notícias lhe dá para uma crónica semanal de todas as coisas pias e de “política”, escreve hoje que “nos cinco anos desde 2007 já houve mais de 80.000 abortos, cerca de dez vezes os soldados portugueses mortos nos 14 anos de Guerra Colonial (…) mas ninguém ouve sequer a voz da geração que hoje é sacrificada a “razões socioeconómicas” e “à opção da mulher”.
E esta a mensagem que alimenta os fanatismos em Portugal sobre a interrupção voluntaria da gravidez, um direito assegurado por Lei (!): ou o aborto é igualado a Auschwitz, ou agora aos mortos da Guerra Colonial, ou aos “bebés” fofinhos e de olhares inocentes. Um feto de 12 semanas é agora um judeu a ser queimado num forno num campo de concentração, ou um homem adulto arrancado da sua aldeia para combater num país estranho, ou um bebé que sorri porque imita o que o adulto faz.
E as “vozes”? Quais vozes?? As vozes de quem? Dos zigotos? Que “vozes” são estas que o Sr. Neves “ouve” e que o fazem preocupar tanto pelas “vítimas” de mais um ”genocídio” de 80.000 “crianças” que seriam o futuro de um Portugal que assim vai seguramente ser “destruído”.
E reparem na opção da mulher entre aspas. Sim, Sr. Neves, na sua, e daqueles que pensam como você, as mulheres não é para terem “opções” e as questões “socioeconómicas” são “secundárias” naquilo que é a sociedade que a sua cabecinha imagina: um Portugal onde as mulheres não podem tomar decisões sobre o seu corpo e esta tem de ficar em casa a tratar dos filhos, um quadro bonito numa perspetiva católica onde o “materialismo é mau”, e os “valores espirituais” é que contam.
Não admira pois que os católicos em Portugal estejam a (mais uma vez) extremar o seu discurso, desesperados por se verem impotentes para lutarem contra a corrente dos tempos.
Eu relembro que em Portugal 2.238.053 pessoas votaram a favor da despenalização da IVG e o referendo teve como votação 59% contra 40%. Se a “voz do povo” é uma coisa que incomoda as luminárias como o Sr. Neves, é problema dele. O Diário de Notícias é que deve oferecer a alguém o direito de apresentar (semana após semana) uma opinião alternativa à deste senhor, que, tal como outros “pensadores religioso”, só contribui para obscurantismo e retrocesso civilizacional